domingo, 28 de fevereiro de 2010

Exercícios de escrita

Durante muitos anos fiz exercícios de escrita. Continuo a fazer todos os dias exercícios de escrita. Sou um aprendiz da escrita. Não sou mestre da escrita. Não tenho nada para ensinar a ninguém nessa matéria.
As palavras ajudam a descobrir uma infinidade de coisas. As palavras compostas numa frase ajudam ainda mais. Mas pode brincar-se com as palavras. Mudar-lhes as rotas,os sentidos direccionais, os significados directos e fazer realçar aquilo que elas não querem dizer. Pode fazer-se tudo isso com as palavras. Não somos donos das palavras. Elas deixam, consentem, que brinquemos com elas, que façamos delas uma arte criadora, mas apenas nos consentem. Nada mais.
Outrora, quando fazia exercícios de escrita na primeira, na segunda e na terceira pessoa do singular, não passava de uma espécie de redneck atarantado e perdido num lago de nenúfares. Perguntava-me para que servia aquilo, todo aquele esforço de escrever páginas e páginas a caminho do lixo. Até que um dia, alguém disse: cria um blog. Escreve o que quiseres. Escreve um "journal". Escreve simplesmente.
Em vez do blog, comecei a encher caderninhos, tipo moleskine, de palavras inúteis e em relação às quais os amigos tinham uma condescendência gigantesca.
E aprendi que podem aglomerar-se palavras como se fossem correntes de escrita. Mas então preferi que as palavras fossem torrentes de escrita. Que cada um fizesse o que quisesse com elas, escrevesse como quisesse e quando quisesse.
As palavras apenas.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Há muitos lugares do mundo que gostaria de visitar. De permanecer neles o tempo suficiente para lhes captar a rotina, não viver em hotéis, ter uma casinha ou um apartamento, sair à rua todos os dias e penetrar no âmago das vivências de cada vizinho, da cada concidadão. Saber-lhes das alegrias e das dores. E gostaria de descobrir esses lugares, não como um navegador sem bússola, mas como um residente e poder partilhar vivências. Não conheço ainda esses lugares. Talvez um dia. Talvez.

E, no entanto, existem outros lugares que gostaria de reviver, pela simples razão de neles ter sentido o sopro das coisas simples e haver pressentido a serenidade dos passos em volta. Lugares em que a única ambição é livrarmo-nos de qualquer réstia de importanciazinhas que não importam absolutamente para nada. Lugares verdes, onde há inverno com neve, muito calor no verão e o mundo rola à velocidade de uma aldeia. Lugares onde quase contei todas as casinhas, deixei que, do meu olhar se soltassem as aves seguindo trajectórias do tempo. Lugares de nostalgias.
Entre mim e esse lugares, interpõe-se um rio de água frescas e cristalinas. E mais um outro adiante. E outro e mais outro e também um vasto azul e profundo mar.
Lugares de nostalgias. Os únicos lugares do mundo onde alguma vez me senti livre.
O Nuno tornou-se o meu primeiro seguidor. E logo a seguir, a Claudia P. que ainda não tive o privilégio de conhecer, mas que muito me honra ao tornar-se minha seguidora.
Um abraço de agradecimento aos dois.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Dois livros de uma assentada: Suite Française, de Irène Némirovsky e Memórias de Branca Dias, de Miguel Real.
Foi o Nuno quem me ajudou a descobrir, há dois anos, a obra de Némirovsky. Ele tinha o hábito de chegar ao escritório com uma pasta preta, de couro, e quando a abria era como se abrisse, não uma caixa de Pandora, mas a de um tesouro escondido há muito. Uma manhã, pôs em cima da mesa Suite Française. Tens de ler este livro, disse-me. Dias depois, não foi por esse que me iniciei na obra de Irène. Foi através de um outro livro que permaneceu inédito durante décadas: Fire in the Blood. Li as versões em inglês. Ambos se encontram editados pela mesma casa: Vintage International, Vintage Books, A Division of Random House, Inc. New York.
Nuno, obrigado por isso.
Já agora, aproveitem para dar uma espreitadela à página do Nuno: www.ruadajudiaria.com .
O segundo, caiu-me providencialmente nas mãos. Vou conhecer o seu autor na próxima sexta-feira, 26, e vamos falar um pouco sobre as Memórias de Branca Dias. O que posso dizer é que não parei de o ler enquanto não cheguei à última página. Obrigado, Miguel. Obrigado também por isso.
Não escrevo crítica literária. Procuro nos livros as mensagens encriptadas que cada um deles contém. Ou se gosta ou não se gosta das mensagens e da forma como são transmitidas. Gostei muito desses dois livros que, afinal, até são três.
Não se esqueçam: Suite Française, Memórias de Branca Dias e Fire in the Blood.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Já o arrumei várias vezes, li-o duas vezes, todinho, do princípio ao fim, mas emerge sempre e reaparece, como um fantasma, à minha frente. Há obras que vivem por si. Não saberei fazer qualquer crítica literária. Não é minha fazenda. Posso apenas dizer se gosto ou não. E este foi dos livros que li, há mais de vinte anos, em Coimbra, e continua a impôr-se no meu horizonte, por aquilo que representa de humano, demasiado humano, na luta contra poderes irracionais. Um livro que não perde tempo a dizer mal desses poderes, mas a equacioná-los perante as razões da vida contra razões de Estado sem qualquer razão. Quem o escreveu, sofreu por causa desses poderes irracionais. Mas deixou uma mensagem: Nem só de pão vive o homem, Vladimir Dudintsev, Edições Europa-América, nos tempos de Lion de Castro.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Não se esqueçam que a última palavra d'Os Lusíadas é a palavra inveja
Um dia chamaram-me Moisés. Desde miúdo que eu sabia quem era Moisés. Imaginei-o sempre com umas barbas enormes, cajado para fazer provocações aos sacerdotes egípcios quando invocavam seus deuses como os mais poderosos e sábios do mundo. Não contaram foi com as pragas que lhes caíram em cima e com a saída inteira de um povo do mundo da escravidão. No fundo, talvez esta tenha sido uma das primeiras lutas de libertação na história da humanidade.
Milénios volvidos, o ser humano continua a ter de enfrentar novos sacerdotes e não lhe resta outro caminho senão o de uma luta de libertação. Com ou sem a ajuda das pragas.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

UMA TARDE COM O MANNY

Uma tarde, em South River, NJ, eu estava sentado na esplanada do restaurante do Manny Silva e, a páginas tantas, perguntei: "Manny, já alguma vez ganhaste a lotaria?" Ele respondeu: "Sim, quando os meus filhos e a minha neta nasceram". Por momentos, calei-me, embrenhado na sabedoria daquele homem. Manny Silva fascinava-me pela sua natureza e argúcia. Sempre que podia, eu não perdia a oportunidade de o escutar.
Meses mais tarde, já em Lisboa, sonhei com o Manny. Recordo muito pouco os meus sonhos. Nem sequer tenho tempo para os recordar. Mas esse sonho eu recordei. E sonhara que estava chegando a South River, ao estacionamento que o Manny mandara alcatroar dias antes. Ele estava cá fora, na esplanada, atendendo uma chamada. Mantinha-se de costas para mim, acenei-lhe, mas ele seguiu caminhando na direcção da rua, entre um pequeno corredor que separa as paredes do restaurante de um "autobank". E eu despertei sem poder falar com ele. A nostalgia surpreendeu-me.
Nesse dia, peguei no telefone e liguei. Do outro lado da linha, a sua voz foi reconfortante. A voz de um homem bom.
Uma semana depois, eu estava falando com o Orlando (Orlandini, um ser universal, de barba rapada na careca de todos os dias, incrivelmente alegre e, ainda por cima, meu primo-irmão), dizia estava falando com o Orlando sobre o Manny. E o telefone tocou. El Emigrante, um homem enorme e com uma generosidade tão grande como ele, gaguejou e disse com a voz mais triste que, nos últimos anos eu acabara de escutar. "O Manny morreu". Nem deu tempo para respirar.
Nessa tarde, chorei como uma criança. O Manny tem-me feito muita falta. Porque o Manny era um homem sábio.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

A HUMILDADE

Um dia, Joaquim Namorado escreveu um poema sobre a humildade: "humilde é a erva dos caminhos. Todos a pisam"
Exatamente assim

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

The Strand Bookstore

Se fôr a Nova Iorque por estes dias, ou quando lá puder ir, faça uma visita a um lugar mágico cheio de livros: The Strand Bookstore. Basta ir Broadway abaixo, depois de Union Square, a caminho de Downtown e, no cruzamento com a 12th rua, encontrará uma esquina discreta com livros cá fora. Não hesite. Entre e verifique os preços. Folheie os livros. Siga todos os passos possíveis para chegar a cada recanto. Irá encontrar um livro, uma brochura, não importa o quê, o que sempre desejou encontrar numa livraria e terá desejos de dizer: porque não vim aqui há mais tempo? Sobretudo, pelos preços, que são de causar inveja e pela qualidade. Lá dentro, num dos pisos superiores, existe uma secção para fazer as delícias dos alfarrabistas. Strand. 18 milhas de livros ou talvez mais.

Enfim, tenho um blog