quarta-feira, 28 de julho de 2010

Reflexões sobre a reinvenção dos amantes




Ternura

De todas as ternuras a maior
a mais apetecida é a dos amantes
abraçando-se
para além do esgotamento.


Morrer de amor

Morrer nos braços
um do outro
é coisa corriqueira
atendendo à longevidade
de uma oliveira.


Jardim

Estavam dois amantes
sentados num banco
de jardim.

Passou um cão
farejou-lhes os pés
beijando-se não deram
por ele.

O cão alçou-se
mijou-lhes em cima.


Summit, 25 de Janeiro de 2009

Reflexões sobre a insónia

Insónia

Escutei poetas
de longo curso
falando das noites
de insónia
e de seus diálogos
com os vampiros.


Súmula

Os fenícios que arribaram
ao meu país
pelo mar oceano
trouxeram decorada
a tabuada das estrelas
para mercar com os deuses.


O cavalo de Troia

Os herois de Ítaca
construiram
um cavalo de madeira
nas noites de insónia
e deixaram-no
abandonado
às portas de Troia.


Ansiedade

Junto de ti as noites
passam mais depressa
e a insónia suspira
de ansiedade no meio
de um sono volátil.


Cor

As minhas cores
sobre qualquer tela
transpiram rusticidades
de pássaros desencontrados
nas cantarias dos telhados
de Lisboa.

Traços simples traços
da cor reflectida
na neve de uma tela
são linhas de liberdade.


Summit, 05 de Janeiro de 2009

domingo, 25 de julho de 2010

AMANHECER

Que luz resplandece
pela manhã? Que maresia
invade a janela e transborda
a cor do mar sobre teu peito
engalanado de rosas e frutos?

Que verde, que azul,
que sol se apodera de nós
embriagado pelas águas?

Não encontrarei outro lugar
para aquietar os dias
nem outra luz para
para resplandecer a noite.

Não encontrarei
outro olhar ao amanhecer
no vão dos céus
senão o teu sorriso
onde alvorece
a claridade
crepitando como o fogo.


Oeiras, Janeiro de 1998

A FÓRMULA QUÍMICA


Quem falou de fórmulas químicas
não explicou o verdadeiro sentido metálico
dos estrondos multiplicados ad infinito
onde labarejam as flâmulas do conquistador.

Nem das consequências
sensitivas e falhas auditivas
que alguns dos mais comtemplados
zombies da modernidade sofrem
compostos em seus trajes
no alto dos palanques.

Quem assim falou seduziu-nos
com palavras sensuais
bramiu falsas morais
e invocou a rarefação da razão
ao transpor os limites possíveis
do uso e do abuso
que o direito concede
sobre nada que seja certo.

Fórmula química única
não há. Tudo é feito, refeito
e contrafeito a contragosto
de tua última vontade.

Ainda por cima, não há liberdade
mais infinita e etérea
que a dos cemitérios.



Oeiras, Janeiro de 1998

PAISAGEM DE TI

(vinte e cinco anos depois)*

Já não estremeço
nas encostas do teu corpo.
Vi-o outrora paisagem sublime,
não o pressinto agora
neste instante errante de mim
em que meu pé firme vacila.

Que pode o tempo
quando tua voz se cala
e não consente a fala
dos amantes o vulto o tufo
o nenúfar liquefeito
nas brumas de mortiça
luz ansiosa?

Já não canto teu grito
nem sei onde páras.
Já não te escuto
se acaso foras tu,
imensa derradeira luz
no horizonte da alma.

Queria ver-te defronte
no vaivém da folhagem,
na palmeira onde guardas
teu suco e ansiedade
e respirar teu hálito.

Já não adormeço de olhos
abertos para te ver,
bendita formosura,
fenecendo na lonjura
do canavial onde
se acolhe teu grito
e se desfaz o tempo
como um nada por isso.



Oeiras, Janeiro de 1998

* A primeira versão deste poema foi escrita e editada em 1973, na Página Jovem do Notícias da Beira, Moçambique

segunda-feira, 5 de julho de 2010

MEMORIAL 2

(A meu pai)

Na rigidez da morte
não existe poesia.
Nem nas lajes de granito
que meus pés tacteiam
transportando teu sereno
corpo de homem-pai.
Já não poderás ver
meu rosto chorando
nem escutar meu pranto.
Na memória gravarei
tuas palavras dispersas,
teu sorriso, tuas doces mãos
e a serenidade,
a tranquila serenidade
que transparece de tuas faces
de seda. De novo
e uma vez mais, o sorriso
com que te despedes da vida.
Até sempre, pai.

sábado, 3 de julho de 2010

MEMORIAL

Com o meu pai aprendi muitas coisas. Entre elas, aprendi a gostar de viver. Não importam as contrariedades, aqueles que nos pisam, nos achincalham ou que tentam diminuir-nos. Nada disso importa. O mais importante é viver e gostar de viver. O meu pai adorava a vida. Adorava a luz do dia, a claridade dos rostos que sorriam para ele e das pessoas que gostavam muito muito dele. O meu pai era um homem bom. Era um homem discreto e possuia uma fina ironia que o fazia desconfiar sempre de teorias complicadas e conversas confusas. Não pôde despedir-se de ninguém. Morreu, aos 87 anos, no dia 30 de Junho de 2010, vítima de um AVC nos jardins da cidade de Coimbra, ribeirinhos do Mondego. E o seu corpo tombou sobre as águas daquele rio que ele sempre amou. Foi recuperado sem vida junto da ponte pedonal sobre o rio. Ele gostava muito de passear nos jardins da cidade. Fazia hemodiálise três vezes por semana e nunca desistiu de viver. O seu rosto mostrava uma imensa e serena tranquilidade. Tenho remorsos de não ter disfrutado muito mais do meu pai. O funeral realizou-se em Castelo Branco, na sexta-feira, dia 2, pelas 15 horas. Que em paz descanse.

Agradeço reconhecidamente a todos os familiares, amigos, conhecidos e a todos os que me ofereceram o seu ombro de solidariedade para verter as lágrimas que jamais serão capazes de exprimir o mar de tristeza e solidão que me invade.