sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

O OUTRO E O MESMO, de Luís Martins


O Luís Martins, (Miguel Real) deve ter ficado tão surpreendido como eu quando lhe disse que acabara de descobrir este exemplar d'O OUTRO E O MESMO, editado pela Contexto, em 1980. Aí está a foto da capa do romance.

E este é o último post de 2010. Feliz ano 2011.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

LIVROS. THE OTHER HAND


The Other Hand. Há algum tempo que não vinha aqui, a esta rubrica. De repente, lembrei-me de um livro que acabei de ler e dei com ele na livraria de um dos terminais do Aeroporto de Amsterdão. O livro é simplesmente extraordinário. Não consegui parar senão na última página.


Na net consegue-se ler o primeiro capítulo em aberto. "Little Bee" (na edição americana) ou "The other hand" (na edição inglesa), de Chris Cleave. Registo aqui a ligação para a página do autor: www.chriscleave.com

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

BOAS FESTAS DA EDITORIAL PLANETA (PLANETA MANUSCRITO)


Obrigado à Ana Pereirinha pela ideia original deste postal de Boas Festas. É, de facto, uma honra poder ter o meu nome entre os autores da Planeta.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

MARESIAS

A foto não é grande coisa, porque há reflexo de luz causando as manchas esbranquiçadas sobre a tela. E o quadro, se calhar, também não. Mas há quem goste e o meu amigo João Salgueiro faz questão de o ter numa parede nobre da residência. Maresias que trazem muita nostalgia.


domingo, 21 de novembro de 2010

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Carpentier relembrado no «Esmaltes e Jóias»

Ah, grande Ilídio Martins. Ainda bem que Carpentier é relembrado. O primeiro livro que li dele foi O Reino deste Mundo. Depois, seguiu-se O Recurso do Método, O Século das Luzes, Os Passos Perdidos, A Harpa e a Sombra, Concerto Barroco, Esse Músico que Levo dentro de Mim (este último, um verdadeiro tratado de musicologia). O nosso amigo comum, o Nuno, leu O Século das Luzes pelo exemplar que lhe emprestei. Carpentier faz parte da minha aprendizagem. E tal como Augusto Roa Bastos, Miguel Angel Astúrias, Mário Vargas Llosa, Gabriel García Marquez, Juan Rulfo, Miguel Otero Silva, Rómulo Gallegos, João Guimarães Rosa, Erico Veríssimo, Jorge Amado, também Carpentier se juntou a esta lista da minha juventude e aprendi muito com todos eles.
Obrigado, Ilídio, por teres relembrado Alejo Carpentier. Há uma ligação directa do meu blogue para o «Esmaltes e Jóias». Basta clicar na minha lista de blogues, aqui do lado direito do texto.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Seton Hall University School of Law & The Newark Club

Seton Hall University School of Law & The Newark Club

sábado, 6 de novembro de 2010

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

A PHOTO A DAY

A PHOTO A DAY . Adicionei este blogue à lista de ligações dos meus blogues preferidos. Há certamente muitos mais para adicionar. Estou a fazê-lo na medida do possível. Mas gostava de referir que vale a pena consultar A PHOTO A DAY pela qualidade das obras aí existentes e sobretudo pelas mensagens que elas nos transmitem. Não sou fotógrafo de profissão e também não sou artista plástico de profissão. Mas faço aqui um apelo a todos vós, que me honram com o privilégio da vossa visita: escrevam, pintem e fotografem sem quaisquer barreiras. Não se preocupem com as críticas. Sejam criativos.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

BRUMAS DA CIDADE

BRUMAS DA CIDADE

LANDSCAPE

LANDSCAPE

Para lá da linha do horizonte está simplesmente a imaginação de cada um de nós. Mas é preciso cruzar esse imenso areal para se saber. A Luísa mantém numa das paredes da sua casa, em Livingstone, New Jersey, este quadro. Trata-se de um díptico que acabou por ficar envolto numa só moldura.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

DOCAS


DOCAS

O João Gouveia, além de um bom amigo, é um excelente profissional. Estas DOCAS estão numa parede de sua casa.

sábado, 30 de outubro de 2010

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

E A VIDA CONTINUA - MEMORIAL PELA MINHA MÃE

O valor da vida é absolutamente relativo. Tudo o que possa ser dito sobre o tema da morte, já foi certamente dito, repetido, escrito, reescrito centenas, milhares, milhões, milhares de milhões de vezes. Desejo apenas repetir rotinas. O ser humano continuará sempre atónito perante a ideia e a realidade da morte. O facto de ser a única certeza que temos na vida, há uma enorme tendência para não pensarmos nisso, para continuarmos a viver, quase negando o facto de que as duas antípodas se complementam. Aceitamo-lo apenas como uma espécie de fatalidade. Na vida de todos os dias, seja para discutirmos o Orçamento de Estado, para nos empolgarmos com um jogo de futebol, para nos tornarmos nada perante as divindades em que acreditamos, seja ainda para cumprirmos simplesmente as nossas rotinas, a verdade é que pensamos o mínimo possível na morte e até existe algum pavor mental para reflectirmos sobre isso.

Quase quatro meses após a morte de meu pai, a minha mãe partiu definitivamente aumentando ainda mais o sentimento de perda que eu acabara de "experienciar". Bem sei que muitos dos meus amigos e parentes já passaram por isso. Bem sei que muitas vezes apresentei os meus pêsames a esses meus amigos e parentes. Mas ainda não tinha passado tão dolorosamente por semelhante situação. E o vazio que agora sinto é o de uma pura orfandade. Quase admito que a minha mãe talvez tenha desejado partir mais cedo perante a ausência fatal de meu pai e assim se tenha esquivado aos tratamentos médicos e às doses de oxigénio que deveria receber diariamente nos seus pulmões enfraquecidos e que poderiam ter ajudado a manter as batidas de um coração frágil e doce. A única coisa que ela desejou foi exactamente o que qualquer outra mãe desejaria: o bem dos seus filhos.

A minha mãe faleceu no dia 26 de Outubro, cerca das oito horas da manhã e o funeral realizou-se hoje, 28, pelas dez horas, em Castelo Branco. Que em paz descanse.

Uma vez mais, agradeço a todos os que abriram seus braços para me acolherem com o conforto que qualquer ser humano necessita neste momento trágico e doloroso. Bem hajam!

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

UMA OUTRA HOMENAGEM ÀS VÍTIMAS DOS ATENTADOS DE 11.09.2001

UMA OUTRA HOMENAGEM ÀS VÍTIMAS DOS ATENTADOS DE 11.09.2001

Foi a minha segunda versão de homenagem às vítimas dos atentados de 11 de Setembro de 2001. Por mais que pensemos ou julguemos não ter sido afectados pelos acontecimentos, porque éramos estrangeiros e tínhamos outras formas de ver as coisas, a verdade é que, desde então, a percepção do mundo mudou. E aqueles que morreram mantêm-se presentes nas nossas memórias, para que não os esqueçamos, na certeza de que eram cidadãos do mundo como todos nós, tinham as suas famílias como quase todos nós e acreditavam em ideiais como a maioria de todos nós.
O quadro acima pintei-o num momento de reflexão, em Summit, NJ e depois de ter contemplado o pequeno bloco de granito no parque de estacionamento da estação dos caminhos de ferro da cidade recordando aqueles que, na manhã de 11 de Setembro aí deixaram as suas viaturas e nunca mais voltaram para regressar a casa. O quadro pertence agora ao Ricardo Cortes e à Anita Aquino, e sinto-me feliz por saber que está em boas mãos.

domingo, 24 de outubro de 2010

COMPOSIÇÃO

COMPOSIÇÃO
Por vezes, a percepção de um olhar através de uma janela, estremece a tranquila luz de uma paisagem urbana. O que resta é a memória carregada de profundas nostalgias.

COMICS & THE CITY

COMICS & THE CITY

terça-feira, 19 de outubro de 2010

HUDSON RIVER

HUDSON RIVER

O Nuno deliciou-se com este quadro e disse-me que era a vista que ele tinha do seu apartamento sobre o rio Hudson e Nova Iorque. Parece que lhe tiraram esta perspectiva, porque construíram mais uma torre interposta entre a margem direita do rio e o bloco onde ele vive. Resta-lhe assim o quadro que ele pode ver todos os dias, com uma barcaça deslizando silenciosa, rio abaixo.

sábado, 16 de outubro de 2010

DOIS AMIGOS E DOIS MESTRES

Onésimo de Almeida e José Carlos Vasconcelos

Dois amigos e dois mestres da escrita e das suas correntes. É um privilégio escutá-los e aprender com eles.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Eduardo Mendoza - Prémio Planeta

Eduardo Mendoza é o Prémio Planeta 2010. La Ciudad de Los Prodigios, El Misterio de la Cripta Embrujada e um pequeno livro sobre Nova Iorque, converteram-me definitivamente à sua leitura. Barcelona começou a ter outro sabor no meu imaginário graças a Eduardo Mendoza. La Ciudad de Los Prodigios é ainda hoje um ponto de referência e recurso das minhas releituras. Mendoza ganhou o Prémio Planeta com um romance sobre a Guerra Civil de Espanha , Riña de Gatos.

Pelo seu interesse e síntese, reproduzo aqui a notícia difundida pela Agência Portuguesa de notícias, LUSA e deve ser lida por todos nós:

"O escritor catalão Eduardo Mendoza é o vencedor do Premio Planeta 2010, atribuído pelo grupo editorial espanhol Planeta ao romance sobre a Guerra Civil de Espanha «Riña de gatos», que escreveu sob o pseudónimo de Ricardo Medina.

Criado pelo presidente do grupo, José Manuel Lara Hernández, e entregue desde 1952 a um romance inédito escrito em espanhol, o galardão, no valor de 601 000 euros, é o segundo maior do mundo, a seguir ao Nobel, dotado de um milhão de euros.

A decisão do júri, composto por Ángeles Caso (vencedora do ano passado e que substitui Álvaro Pombo), Alberto Blecua, Juan Eslava Galán, Pere Gimferrer, Carmen Posadas, Rosa Regas e Carlos Pujol, foi anunciada hoje à noite durante um jantar literário realizado no Palau de Congressos de Catalunya".

Mário Vargas Llosa

Mário Vargas Llosa, como sabem, é o nóvel Prémio Nobel da Literatura. Desde a publicação de Conversa n'A Catedral, pela Europa-América (1ª edição), Vargas Llosa sempre me deixou fascinado. Pelo humor, pela temática, pelo dramatismo, pela narrativa e pelo militantismo da palavra. Um mestre em toda as dimensões. Não podia ter sido mais merecido e "suado". Há muito que o prémio esperava por ele. Ele é que não esperou pelo prémio e ainda bem. Mário Vargas Llosa.

PORTAGEM

PORTAGEM

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

AOS 33 MINEIROS CHILENOS

Bem-vindos, de regresso à vida.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

VINICIUS

VINICIUS DE MORAES. Uma extraordinária retrospectiva biográfica na TVCine1. Desde miúdo, conservo o meu fascínio por Vinícius. Lembram-se das emissões televisivas, a preto e branco, onde ele aparecia diante de nós, despido de qualquer vaidade e sem a verve da politiquice barata em que agora todo o mundo se tornou especialista? Vinícius, cidadão do mundo, poeta de pura finura e traço popular, apenas um ser humano, tão humano, tão humano que dá vontade de ser igual a ele. Por favor, não se esqueçam de o ver. De certeza, ficaremos menos pobres. Vinícius. Um ser humano que faz falta a todos nós.

domingo, 10 de outubro de 2010

O SILÊNCIO E O TEMPO, de Vítor Matos e Sá

O SILÊNCIO E O TEMPO . Vítor Matos e Sá escreveu este pequeno livro de poemas, em 1956. A Coimbra Editora, Limitada, publicou-o e o livro foi ilustrado com dois desenhos de Fernando Guimarães. Vítor Matos e Sá foi Professor na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e infelizmente, quando a lógica deixava antever que o viesse a ter como professor, a morte viria ceifá-lo num trágico acidente de automóvel ocorrido em 1975. Vítor Matos e Sá (pseudónimo de Vítor Raul da Costa Matos) nasceu em Moçambique, em 1927, doutorou-se em Filosofia e a sua poesia deixa transparecer uma experiência existencial muito própria e muito cuidada. Deixou colaboração dispersa na Árvore, Cadernos do Meio-Dia, Távola Redonda e Eros. Tenho apenas O Silêncio e o Tempo, que guardo como uma preciosidade. Vítor Matos e Sá precedeu os poemas de um texto de reflexão intitulado O que pode dizer a poesia?

Reproduzo um poema ( que faz parte do bloco A ORIGEM DOS TEUS OLHOS) de Vítor Matos e Sá:

Aurora

Que sol amadurece, lento,
a sombra doce dos teus seios?
Que branco vento transborda,
deslumbrado de acordar,
nessa área paz de frutos
redondos e naturais?

Em nenhum lugar as fontes são
mais sagradas e reais.

sábado, 9 de outubro de 2010

PARQUE PETER FRANCISCO, NEWARK, NJ

PARQUE PETER FRANCISCO, NEWARK, NJ

Situado na junção da Ferry Street com a Edison Street, a Market Street e a Penn Station , em Newark, NJ, o pequeno Parque triangular acolhe, sob as árvores, um pequeno obelisco em memória de Peter Francisco (herói luso-americano, da Guerra de Independência da América, e cuja bravura foi publicamente exaltada por George Washington. Sugiro uma pesquisa na net começando nomeadamente pela página da wikipedia (www.en.wikipedia.org/wiki/Peter-Francisco)

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Uma barca cruzando um pontão

O meu amigo João Alves pode olhar para este quadro as vezes que quiser. Tem-no em sua casa e e estou muito contente por isso. O quadro traz-me a nostalgia e liberdade que senti quando o pintei. Cruza o antigo e o moderno dos nossos mundos de referência. Um pontão de madeira num velho cais escutando o ruído quase imperceptível de uma vellha barca deslizando por entre as águas tranquilas de um porto.

domingo, 3 de outubro de 2010

ESCADAS DE QUEBRA-COSTAS

(Este conto foi publicado na Revista O Instituto – Revista Científica e Literária, nº 139 – Coimbra, 1979. Escrito em Janeiro de 1980, foi publicado com data anterior por motivos de ordem e cronologia editoriais daquela revista, que aliás já não existe. Fundada em 1880, foi a revista científica e literária mais antiga do país. )


Escadas de quebra-costas

Mia um gato diante dos meus olhos e arrima-se para debaixo de um carro. Sou eu que me aproximo. Guarda-se de mim e espia as minhas pernas. Começo a subir as escadas de Quebra-Costas e conto as vezes que as subo durante o dia.

No patamar da casa velha, com janelas de vidro, ao meu lado esquerdo, ei-lo, esse cão nababo a arreganhar-me as dentolas e a rosnar com todo o seu peso. Não é por nada. Mas lembra-me um porco de criação. Ajeito-me e penso:

- Cão estúpido.

Na casa dos móveis, do lado direito, montra nova metalizada, espera uma garota os seus clientes. Passa o tempo agarrada às unhas, roendo-as. (Digo-vos que não gostava de ser unha). Espreita-me. Finjo que não a vejo, mas tenho uma frincha do canto do meu olho direito aberta na direcção da criatura. É mamuda e baixa. Ama um homem atravancado, sisudo e suicida como ela. (Os suicidas gostam dos suicidas). Há seis anos que eu sei deles. Primeiro, assisti-lhes ao namoro. Agora contemplo-os no beijo rotineiro e garanto-vos que é uma pasmaceira. Aquilo é beijo de cadáveres. Ela ainda tem um sorriso claro. De vez em quando. O meu amigo alfaiate diz que é um riso uterino, sem macho.Por falar dele, ei-lo à janela atirando-me:

- Então o basquetebol?

- Pingolinhas – defendo-me.

- Moinices – dou-lhe razão.

A mulher dele ajuda também. Hoje deve ter-se esquecido da dentadura e parece que está a aprender a falar:

- Olhe que ele é um malandro – saem as palavras todas embrulhadas.

Passa uma miúda. Afunda as nádegas e trá-las de novo à tona. É um barco no alto mar.

- Psssssss... – o garoto mete-se com ela. Levanta a pasta do chão e ginga do mesmo jeito.

- Eu preciso tanto – roga o companheiro.

- Vou dizer à tua mãe – ataca o outro.

- Ora, é da TV – ombreia assim o colega. E deixa-se afrouxar na pedalada da subida. Apanha um papel do chão e mete-o no bolso. Na torre dos lentes, a “cabra” cacareja.

- Olha a escola – grita um dos garotos. E catrafilam-se em marcha acelerada. Curvam os dizeres. Mas eis que escuto um burburinho estranho. Volto-me e, no fundo da subida, à curva do Arco de Almedina, uma sarabanda de mulheres ensaia um arraial de galhetas. Uma senhora fina abanica-se em frente da boleira e esta diz-lhe assim:

- Sua cricalha.

Só visto. Espetam-se, empurram-se, retrancam-se, goelam-se e puxam os cabelos uma da outra. Bem vistas as coisas é uma teia de aranha que entre neles se desenha. Do cimo de Sobre-Ripas assobio e miro a cena. Mestre alfaiate diz-me:

- Olha a pouca vergonha que ali vai – e franzina o nariz.

A senhora da livraria, debaixo dos óculos de lentes grossas, chega-se também. Não fala e é difícil saber se ri ou se está séria.

- Liberdades – grunhe a velha rabuja dos galos na cabeça. É feia, velha e chata. E na vida não aprendeu mais nada a não ser o comentário do costume: “Liberdades”. Di-lo como se fosse presidente do município.

A amiga reformada das bolachas, benfeitora de cães e de gatos, não podia faltar. Desce as escadas e quase resvala na esquina de uma, tal a atenção prestada à pega das galdérias.

- Se alguma vez se viu coisa assim – e desafasta-se.

Depois reza uns maldizeres às escadas ( e elas é que se hão-de importar com isso ) e apressa-se a ir ao mercado para comprar carapaus para os seus gatos. Tresanda a gato.

Vem também a velhinha da porta em frente do convento da sé. É simpática e frenética. Bule os dedos das mãos, o queixo, os olhos, o pescoço. Todo o seu corpo é um delírio de nervoso miudinho. Mas todos nós gostamos dela.

Outra coisa aparece: o cauteleiro que há-de ter morte macaca. Traz água na fervura. Mói com pau de vassoura a miséria da mulher e dana-se que nem cão. ‘tá aí, ‘tá virado mortinho da conceição, por engasgo do coração. E saltita a roncar:

- As gajas amanhem-se.

A da cabeleireira, abre a janela e grita:

- Oh Felismina !

A outra, “amanda-se” das bandas do fotógrafo e esganiça:

- Lá vou.

O polícia, coitado, afana-se para as sossegar. Sua. Por um momento hesita. Mas acaba por se decidir a multar um carro mal estacionado e deixa que as duas mulheres se entendam. Cumprimenta um dêérre qualquer e o dêérre fica inchado por ser reconhecido.

Entretanto, o da casa das canetas lastima-se:

- Havia de ser logo nas minhas barbas.

Eu (que faço eu?) traço o meu o caminho. Subo mais cinco lances pequenos e nodosos. Penso numas trouxinhas de carne. Como elas me ensalivam a boca, meu deus! A mulher de mestre alfaiate sorri, mas não mostra as gengivas. A mulher de mestre alfaiate é uma senhora simpática. E eu digo:

- Bom. Vou andando...

- Isso. Com deus é que é o caminho.

As desentendidas afrouxam o burburinho. Tenho vontade de dizer outra coisa, mas não digo. O electricista descobre-me e trava o passo:

- Pescador da agrela !

- Felino – digo eu.

- A vida ? – pergunta e coça o cabelo.

- Tristinha.

- Some-te.

É o que eu quero fazer. Aos poucos, difundo-me. Torno-me transparente. Mas se me perguntais o que vi, direi que nada vi. Nem beliscadura nem arranhão de gente. Não sou testemunha de nada. À minha frente, o velho das duas bengalas lesma-se ao descer as escadas e larga umas bufas:

- Velho porco – penso eu.

Está um miúdo ao cimo delas a contar caricas. Ouço-o muito bem: dezanove, vinte, vinte e um, vinte e dois, vinte e três e... pára.

- Larga – e puxa com violência – essa é minha.

O amigo conta alternadamente. Se fosse eu, já me tinha enganado. E continua:

- ... vinte e quatro, vinte e cinco, vinte e seis... esconde cromos no cós roto das calças. Tem as mãos sarapintadas de sujo, aborca-se no chão e não vê a nuvem negra do lado do poente. Somos capazes de ter chuva, não tarda muito. No entanto, o resto do céu é azul e as escadas estão prenhes das marcas das solas dos nossos sapatos e das nossas botas e das cagadas dos cães e das pinturas políticas. No fundo das paredes, a ladearem as escadas, verte-se um fedor a mijo e baba de cão que faz cama nas calçadas.

Mas quem é que eu vejo agora? O doido do Cardoso, claro. Está pregando a sua ladainha e larga uns berros medonhos. Parece-me zangado e passeia-se com um petromax nas mãos. Procura uma coisa num canto qualquer. Dele, mofam duas moças. O empregado o café da esquina mofa também. E uma dona saindo da farmácia lamuria um batente de letras e preceitos. Mas o Cardoso marimba-se. Faz trampa para todos eles. Eu vi isso. E diverte-se com uma charada assim:

Pelo sim e pelas tretas

O melhor é pingoletas

Isto não faz sentido. Ele fede vinho pelos calos dos dedos dos pés. E está feliz. É preciso que as coisas façam sentido para que se seja feliz? Ora, aí está o que vos preocupa: a felicidade. Aquele doido é feliz. O basalto e o cimento das escadas não o preocupam. A Marisa não o preocupa. Nem o João. Tu também não. Eu não o preocupo. E, no entanto, o o cimento e o basalto das escadas têm sido gastos por quase todos nós. As suas esquinas estão polidas pelo arrasto da nossa importância. Bem sabes, a Marisa é muito importante. Tal como o João. Tu também és importante. Eu sou importante. Mas para ele, a nossa importância é chalaça.

Do lado do salão de jogo que eu já não atino daqui, a garotada diverte-se em cima de uma bugiganga e o safardana do cauteleiro aguça de novo a boca para desovar meia dúzia de palavras beras. É nero e rançoso. Quando o vejo guardar a motorizada no atriozinho atulhado de gatos e de cães que dá para a casa da senhora amiga dos animais, reparo que ele poisa a máquina, devagar e lambe-a como bicho logo desatando naquela brutidade de pancadaria e asneiras sobre a mulher. O tipo é fúfio. E ainda por cima, berra que a filha da mulher passa a vida no ranfanço e é rameira. Todos o sabem.

Eu chego, finalmente, ao cimo das escadas. O sacristão da sé olha-me, nequício e invejoso. Eu não o conheço. Nem frequento as suas paragens. Nem pertenço aos seus aposentos sagrados. O cónego está de saída e dizem que usa cilícios por baixo da batina para se mortificar. Olha-se para ele e diz-se logo:

- Bem se vê que é lavrador da morte.

Consta que fala dela em cada sermão. Deve ser uma coisa aborrecida e tétrica. Mestre alfaiate, do fundo das escadas, ainda me acena:

- Vai um copo?

- Nicles – digo eu.

E apresso-me todo importante.


Coimbra, 1979

MEMORIAL FOR MANNY (DA SILVA)

Manny (da Silva) ou Manuel da Silva. Um homem bom. A recordar para sempre. Este mês cumprir-se-á um ano sobre a sua morte (ocorrida repentinamente, em 24 de Outubro de 2009).
O Manny continua a fazer muita falta a todos nós. Que em paz descanse.


sexta-feira, 1 de outubro de 2010

A ESTÓRIA DE UM QUADRO

A estória deste quadro está escrita no verso da tela. A Graça e o Rui Pina são os actuais donos do quadro. Eles poderão contar a estória.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

PENN STATION, de NEWARK, NJ

Penn Stattion de Newark, New Jersey

O OCTÁVIO MENDES


O Octávio Mendes em plena acção: fotografando perfis de Nova Iorque, a partir de Jersey City, New Jersey.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

NOSTALGIAS


As cores sempre foram o meu caminho de entrada na pintura. Pintura é cor. Os objectos ganham forma pelas cores, pela luz, pelo contraste que elas suscitam. Não percebo nada de teorias da pintura. Sigo somente as minhas emoções perante uma tela vazia ou pedaço de papel e deixo-me embalar pelas cores. Deixo que sejam elas a decidir. As cores são elementos femininos que, de uma forma ou outra, comandam as nossas vidas. As cores.

ESMALTES E JÓIAS, do Ilídio Martins



Um blogue onde o Ilídio Martins escreve sobre o que lhe apetece e quando lhe apetece. Raramente li uma declaração de independência e frontalidade como esta do Ilídio. Esmaltes e Jóias é um blogue que tem um pouco de tudo. Ainda por cima, é escrito com uma argúcia certeira e uma tonalidade picaresca e descontraída. O Ilídio é também um bom crítico: sabe ler, sabe comentar, sabe sugerir. É um devorador de livros, mas acima de tudo, um homem culto e bom. Mas não é por causa de ser um devorador de livros que ele é um homem culto. É porque ele sabe estar. E saber que também está ligado por laços familiares ao António e à Saudade ainda é melhor. Estou a falar de gente boa, que não necessita de preâmbulos intelectuais nem de auto-rotulações para nos ajudarem a sermos melhores. www.ilidiomartins.blogspot.com

terça-feira, 28 de setembro de 2010

RENDILHADAS SUBTILEZAS DO AMOR, DE JOÃO S. MARTINS


Rendilhadas subtilezas do amor. Uma homenagem do João S. Martins à mãe, às mãos de sua mãe. Um trabalho em madeira, simplesmente fascinante e repleto de uma tremenda ternura. Ao fim e ao cabo, uma homenagem a todas as mães do mundo.
Obrigado, João, por partilhares esta obra de arte com todos nós.

UMA MENSAGEM DO JOÃO MARTINS

Edito esta mensagem do João Martins, que transpira de generosidade e é um trabalhador da Língua Portuguesa, em NEWARK, New Jersey.


Amigo Francisco,
De vez em quando visito-te, no teu blog ou na galeria. E vejo, e leio... Depois dá-me vontade de te responder no mesmo tom coloquial. Aqui te deixo parte dessa conversa/resposta/contraponto possível. Com um "abraçarte", esse abraço que só os artistas conhecem!
João S. Martins



setembro

na sapiência dos calendários
os livros das horas breves
sequências de iluminuras

setembro como outros meses
dos livros tem muitas folhas
abertas páginas de espanto
capítulos de olhar rasgado.
mais atrás aquele setembro

de ano triste. estava só
antecipando a solidão
que um dia frio faria
orfãos pessoas e torres
rasgadas. nós. sós. cinza.

recordo o calor das cores sépia
de outras duas torres nostalgia
de um outro dia de um outro
setembro um outro livro
quando mãe e pai disseram sim

à volta da mesma mesa ainda hoje
nos juntamos refazendo o calendário
em cada setembro novo

© João S Martins – 9.10.2010


Um outro setembro
talvez o mesmo ou
um e o outro...



João, um abraço de gratidão e amizade.
Francisco

THE DAY AFTER THE AUTO-DA-FÉ


O Nuno Guerreiro já tinha editado este meu quadro no blog www.ruadajudiaria.com
Curiosamente, outros blogs e portais fizeram cópias da foto para os seus próprios sítios na internet. Não me importo nada nada com isso e acho até salutar. É bom partilharmos imagens quando elas nos transmitem emoções, sentimentos, memórias colectivas ou pessoais. Sómente para recordar que este quadro é da minha autoria, pintei-o em homenagem às 4000 vítimas do massacre de Lisboa de Abril de 1506 e está em minha casa. Os meus amigos que quiserem ver o quadro, basta só bater à porta de minha casa, que eu mostro. E agradeço a todos os que, ao longo destes dois últimos anos, têm feito correr esta imagem pelo mundo.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

AINDA A MORTE LENTA, de Émile Henry


Tenho verificado um significativo número de visitas à mensagem de referência a este livro. Pois bem, vou adicionar a imagem da capa, esperando assim contribuir para uma pesquisa do texto. Deverá ter existido tamém a edição francesa. Mas francamente, não posso ajudar, porque não conheço e também não fiz qualquer pesquisa para me certificar. Na foto acima, uma reprodução das capas da 1ª edição.





PAISAGENS URBANAS

Front Desk do Hall de Entrada
da Embaixada de Portugal em Washington
Paisagens urbanas baseadas nas cores dos telhados de Lisboa. Dois quadros de um tríptico que pintei com entusiasmo

LANDSCAPE

Hall de entrada da Embaixada de Portugal em Washington

O quadro na parede do fundo esteve em exposição permanente no Hall da Embaixada (Chancelaria) de Portugal em Washington, desde Agosto de 2008 a Julho de 2009. Penso que não podia privar os amigos de o poderem ver. Com esse quadro, havia mais seis da minha autoria. A Ana Galaz também expôs comigo ou eu é que expus com ela. A ordem dos factores é arbitrária.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

terça-feira, 21 de setembro de 2010

AINDA O LIVRO DE REFERÊNCIA: HISTORIA UNIVERSAL DE LA DESTRUCCION DE LOS LIBROS

Há dias, referi na rubrica que intitulei "Um livro de referência", uma obra de Fernando Báez, Historia Universal de la Destruccion de los Libros. Pois bem. Existe a tradução portuguesa, da responsabilidade da Texto Editora. Graças a uma pessoa amiga que me telefonou para me informar de tal facto, fico imensamente contente pelo público leitor, em língua portuguesa, ter acesso a uma obra tão fascinante e sobre um tema assaz preocupante - os livros, os milhares de livros, os milhões de livros destruídos sob as mais variadas circunstâncias. Ao mesmo tempo quero agradecer a essa pessoa amiga o esclarecimento que me deu, pela simples razão de nem sequer me ter ocorrido fazer uma pesquisa na net pois, de certeza, teria descoberto a referência em língua portuguesa. Pelo lapso, também as minhas desculpas. Não deixem de ler o livro.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

GRALHAS

Peço desculpa pelas gralhas que existem nas mensagens. Faço o possível para as corrigir, mas nem sempre assim acontece. Sobretudo com os textos mais longos.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

DUAS SUGESTÕES DE LEITURA

Isla África, de Ramón Lobo e A Long Way Gone - Memoirs of a Boy Soldier, de Ishmael Beah. Ambos os livros têm a particularidade de serem arrepiantes narrativas sobre a demência humana com uma metralhadora nas mãos sob o efeito simultâneo de estupefacientes e do uso de "crianças-soldados" arrancados à força no meio de pilhagens satânicas praticadas na Serra Leoa (e arredores) e fundamentalmente para serem usadas numa interminável e intermitente guerra civil, fratricida, servindo o negócio internacional de diamantes e alimentando-se dele. Quem viu Blood Diamond, saberá interpretar ainda melhor estes dois textos. Perceberá até que ponto pode chegar a saga assassina e destruidora de um ser humano na apoteose da vitória da morte e do acto de matar por pura e deslavada crueldade.

As referências editoriais que tenho sobre os dois livros são as seguintes:
Isla África, de Ramón Lobo - Seix Barral, Biblioteca Breve, setembro de 2001.
A Long Way Gone, de Ishmael Beah - Sarah Crichton Books, Farrar, Straus and Giroux, New York, 2007. Comprei um exemplar em um dos "milhentos" Starbucks que, na altura vendiam o livro para doar 2$ de cada unidade, em apoio ao programa da UNICEF para as crianças traumatizadas, vítimas de conflitos armados.

E já agora, na onda destas leituras, uma terceira proposta (que será uma releitura para muitos) o livro de Graham Greene, Viagem sem Mapas, editado em Portugal há muitos anos pela Arcádia, mais precisamente na colecção Biblioteca Arcádia de Bolso. Ofereci, há dez anos, o exemplar que tinha mas acabei por conseguir um outro, desta vez em espanhol, Ediciones Troquel, Buenos Aires, 1958. O livro foi escrito por Graham Greene em 1940.

sábado, 11 de setembro de 2010

11 DE SETEMBRO DE 2001

Hoje presto homenagem às mais de três mil vítimas do ataque às Torres Gémeas, em Nova Iorque. Fui imensas vezes a um lugar que se transformou numa espécie de cemitério virtual daqueles que morreram. Eagle Rock, em New Jersey. Ao fundo, a silhueta da grande cidade. Que em paz descansem e jamais sejam esquecidos.Tenho na minha página web www.franciscoazevedo.com a reprodução de um quadro de homenagem às vítimas.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

A DANÇARINA

Fui descobrir este poema que escrevi em Moçambique, na Beira, em 1992, para fazer parte de um romance/novela que nunca terminei. Prometi ao Nuno que, um dia haveria de terminar o texto. Um dia. Desde Abril de 1992, já lá vão uns anitos. Fica para já este registo poético:

[ A dançarina ]

Chapéu encarnado, de abas largas,
saia justa sobre as ancas,
lá vai ela , a dançarina,
pezinho aqui, pezinho ali,
numa elegância
que faz mossa às madamas
mais compostas.

Por onde passa,
largam os velhos cachimbos
doce fumaça,
em sinal de cumprimento,
lamento de alma,
com cheiro a escândalo.

Todos a conhecem,
todos a querem,
todos a desejam.

Para todos sorri,
sem ser de ninguém,
para que fique bem e a alma não sofra.

Tudo o que tem a fazer,
é continuar dançando,
cumprimentando agora,
sorrindo a seguir,
escutando num lado,
vasculhando noutro,
sem nada ouvir.

Calúnias?!
Oh! mas são lamúrias de quem deseja e não pode,
de quem sofre e não colhe.

Há muito que se acostumou a esses ditos,
aliás benditos,
que a protegem da solidão.


Beira, 1992

UM LIVRO DE REFERÊNCIA

HISTORIA UNIVERSAL DE LA DESTRUCCIÓN DE LOS LIBROS (DE LAS TABILLAS SUMERIAS A LA GUERRA DE IRAK), de Fernando Báez. Um extraordinário livro que nos dá um roteiro sobre as causas naturais de destruição dos livros, mas acima de tudo, sobre a irracionalidade da sua destruição pela mão humana. Todas as culturas, todas as épocas e até escritores não são inocentes em relação a essa destruição. A informação que Fernando Báez nos dá é, por vezes simplesmente aterradora e de estarrecer. Sabiam que Vladimir Nabokov queimou o livro maior de Cervantes, D. Quixote de La Mancha no Memorial Hall de Harvard perante uma assistência de seiscentos alunos? Eu não sabia. O livro de Fernando Báez foi editado pela Random House Mondadori, Caracas e México, em 2004. Faz parte da Colección Actualidad e pergunto-me se não haverá uma editora que o possa traduzir e editar para ser acessível ao público de língua portuguesa. Valeria a pena.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

LIVROS - SALAZAR, UMA BIOGRAFIA POLÍTICA, DE FILIPE RIBEIRO DE MENESES

SALAZAR, Uma Biografia Política, de Filipe Ribeiro de Meneses. Uma extraordinária biografia à espera de todas as catarses. É tempo de nos livrarmos do fantasma de Salazar. Quem leu as obras de José Freire Antunes? Ou de Oliveira Martins? Pois em boa hora vos digo que esta biografia se lê com o mesmo entusiasmo. Obrigado e muito pelo facto de o livro estar acessível a uma nação por inteiro. Não me refiro ao preço. Infelizmente, os livros continuam a ser caros neste país, onde ler ainda não se tornou verdadeiramente num bem de primeira necessidade. Um dia, talvez. Um dia.
E já agora, uma RELEITURA:
Depois de lerem esta notável biografia, aproveitem para retirar do canto das estantes O Dinossauro Excelentíssimo, de José Cardoso Pires.

domingo, 5 de setembro de 2010

LIVROS

O TERCEIRO HOMEM, de Graham Greene. Viram o filme? Leram o livro? Porreiro, altura para reler o texto e rever o filme. Tenho uma edição da Europa-América, de 1977. E filme,uma reposição em DVD que mantêm toda a qualidade de côr (isto é, a preto e branco). Na verdade foram produzidos filmes extraordinariamente belos a preto e branco. Todo o contraste é sugestivo e todos os detalhes encaixam uns nos outros. Quanto ao livro, o próprio Graham Greene avisou que "O Terceiro Homem não foi escrito para ser lido mas para ser visto". A verdade é que, resultante de um guião cinematográfico, Graham Greene produziu uma obra literária notável. E não é extensa (apenas 144 páginas). Amigos, podem fazer o favor de ler o livro?

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

LIVROS

O MUNDO (O Mundo é a rua da tua infância), de Juan José Millás. Editorial Planeta. Prémio Planeta 2007, Prémio Nacional de Narrativa de Espanha, 2008. Simplesmente um belo e admirável livro.

domingo, 29 de agosto de 2010

RELEITURAS

Cem Anos de Solidão, de Gabriel Garcia Marquez. A primeira vez que o li, foi em 1973, 1ª edição portuguesa, da Europa-América. Em Moçambique. Na Beira. Usando o mesmo exemplar, outras pessoas o leram.

LIVROS

Enquanto Salazar dormia... , de Domingos Amaral. Estou a ler a 17ª edição e 1ª edição BIS/LEYA, esta quase de bolso, facilmente transportável, facilmente manuseável. É um romance divertido, que fala de coisas sérias, da guerra, do amor, de espionagem (a parte misteriorsa) com uma abordagem fantástica: toda a gente percebe. E acima de tudo é um retrato de Lisboa nos anos de brasa, de 40, quando ser-se espião nas suas ruas tinha o valor acrescido da aventura e do confronto entre dois mundos em guerra: o nazismo dantesco da tortura, da morte, do racismo, dos campos de concentração e da conceitualização de uma raça superior (qual superior qual carapuça) e o mundo das sociedades abertas e livres. No meio disto, o pequeno mundo das meias tintas, das meias verdades, do boatério, e do nim (neutros para dizer nem não nem sim; neutros e colaborantes). Descubram,entretanto, Jack Gil Mascarenhas, o espião luso-americano, filho de mãe portuguesa, como dizia uma das suas amantes, Mary.

LIVROS

Perguntavam-me, há dias, qual o sentido de referir a releitura de um autor que já se leu há muito tempo, quando existem muitos outros (dezenas, centenas, milhares, talvez centenas de milhares e milhões em todo o mundo) que ainda não foram lidos e provavelmente nunca serão?
O sentido é o seguinte: a vida é uma aprendizagem permanente. Existem aqueles que já sabem tudo, dão bitates, têm a verdade nas entranhas e naturalmente não fazem mais parte do grupo que continua a aprender. E há os que vão beber permanentemente às suas matrizes de referência. Eu não me importo de reler um autor as vezes que me apetecer. Gosto de o fazer e ponto final. Como não sou crítico literário, comentador desportivo, analista político, líder religioso, membro partidário, fico-me pelas leituras que gosto de fazer e sugerir.
Assim, sugiro que todos leiam o que lhes apetecer sem recurso a grandes teorizações. A vida ensina-nos o resto. E alguma vez, em algum lugar, descobriremos a beleza da literatura, a paixão da escrita e a razão pela qual entramos numa livraria e escolhemos um livro. As sugestões estão obviamente em toda a parte. Acabo também por não ser alheio a elas. Mas francamente, não é por aquilo que um crítico diga ou pense que me vou orientar.
Enfim, toca a ler o que quiserem e quando quiserem e como puderem. Porque um autor sugere sempre outros autores e assim sucessivamente. É preciso apenas ter o espírito aberto à necessidade de aprender permanentemente.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

MÚSICA

Já nem me lembrava de Manu Chau. CLANDESTINO. Sigam as letras de cada canção.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

LIVROS

2666, de Roberto Bolaño. Toca a ler esse livro quem ainda não leu. Descobri Bolaño em Caracas, em 2002. Os Detetives Selvagens, (Prémio Rómulo Gallegos, o mais alto galardão atribuido a um escritor na Venezuela) surpreendeu-me. Em 2009, nos Estados Unidos, deparei-me com 2666. Aguardei a edição portuguesa (pela Quetzal)para o adquirir. Gosto de volumes grandes. Gosto de muitas páginas. Gosto de boas estórias. Quem não gosta de boas estórias? Só temos de agradecer ao Francisco José Viegas a oportunidade que deu aos leitores em língua portuguesa de partilharem uma obra talvez incómoda para muitos, mas excepcional. Precisamos de excepções e de continuar a ter referências excepcionais na literatura mundial. E que viva Chile!

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

UMA ESTÓRIA DE SANDINHO

(publicado na Revista Vértice, Nºs 428-429, Coimbra, 1980)

Sandinho tapou as orelhas com o gorro de lã e a chuva salpicou-lhe as faces de pequenas gotas frias e transparentes. A lama estava enfarinhada com os excrementos das vacas e das mulas e Sandinho perguntava-se a razão por que os animais não tinham tanto frio como os homens.
- "Semos" gente ruim – Sandinho falava com a samarra. Algumas vezes a mão ouviu-o falar assim e disse que ele estava pírulas. Mas não estava, não senhor. E então magicava no motivo que levava as pessoas a andarem todas enroscadas em trapos, por mal do frio, enquanto os bichos, esses, o suportavam sempre da mesma maneira durante anos sucessivos.
- São mais rijos, os bichos – dizia.
Na subida da estrada, Sandinho mirou as janelas novas da casa do povo e sonhou com o progresso. Ainda havia de ver a sua aldeia tornada vila ou cidade e, talvez, capital. No entanto, só desejava que a sua aldeia se tornasse vila.
Luciana, a sua amiga, iria ficar contente por saber que ele sonhava todos os dias com o progresso. Dir-lhe-ia precisamente isso, nessa tarde. Onde é que ele tinha ouvido falar de progresso, a primeira vez? Já vos digo... foi na telefonia. Lembro-me que pediu ao avô para lhe explicar o que significava a palavra progresso. O avô explicou-lhe, mas Sandinho não ficou muito satisfeito com a explicação. Na escola, perguntou ao professor. E o professor disse:
- Isso é muito complicado.
Sandinho percebeu o mesmo e disse que na escola não aprendia nada. Mas um dia, um companheiro fez-lhe a fineza de dizer o que significava a palavra progresso. E disse-lhe assim:
- É fartura de tudo.
O pai do companheiro estava na França e dissera-lhe uma vez que aquilo é que era terra de progresso. «Aldeias que tinham virado cidades, cidades que tinham virado vilas e vilas que haviam virado cités.
- Então o progresso é a nossa aldeia tornada cidade, né?
- É pois – disse o companheiro.
- Eu só queria vila – Sandinho pediu.
- Vila é que é progresso – o companheiro anuiu. O meu pai diz que nas Franças já não há cidades. Só há vilas. E a minha mãe recebeu uma carta dele a dizer que estava na vila de Tours. Lembor. Ele até escreveu assim... (o companheiro desenhou no saibro a palavra francesa ville. Ao mesmo tempo, inchava-se de importancia por saber uma coisa que Sandinho não sabia)... porque cidade – continuou o companheiro a explicar – só há uma. É a cité de Paris, percebeste? E também é capital.
Sandinho riu de contente. Nesse mesmo dia correu a casa de Luciana a contar-lhe a novidade. Aí, ela virou-se para ele e disse:
- Um dia a nossa aldeia também há-de ser vila.
E Sandinho passou então a sonhar todos os dias com o progresso. Hoje desejava dizer isso a Luciana e queria que ela risse com ele. Depois, iriam à fonte, mesmo a chover e no caminho ele treparia a uma macieira para colher maçãs. Haveriam de comê-las juntos. Mas queria ver primeiro a cara de Luciana quando lhe falasse dos seus sonhos com o progresso.
Sandinho passou rentinho ao muro do cemitério. A cal estava a cair e o portão velho, em ferro forjado, tinham-no escancarado completamente, sem fechadura e com muita ferrugem. As gradezinhas das campas também aparentavam um ar desolador. Tristou-se, olhou o céu cinzento carregado, agarrou na palma das mãos as gotas maiores de chuva, benzeu-se numa dedada e disse:
- Paz às alminhas.
Benzeu-se como poderia ter aberto os braços ou levadas as mãos ao peito, à boca e à testa num gesto de lembrança e temeridade. O avô ensinara-lhe que se ele dissesse sempre aquelas palavrinhas ao entrar num cemitério ou ao ver um funeral a passar, alguém haveria de as dizer também por ele no dia em que se finasse.
Luciana não gostava que Sandinho dissesse isso, porque tinha medo de morrer e chamava-lhe lanzudo. Mas ficava séria quando Sandinho pronunciava essas palavras e ela se encontrava perto dele. De modo que enfiou as mãos nos bolsos, depois de ter espreitado para o cemitério, ter dado um pontapé num calhau e ter urinado de encontro a uma sebe. Assobiou muito forte e, daí a nada, o cão bateu-lhe com o rabo nas pernas.
- Afasta – disse.
E os dois lá se foram na direcção da casa da Luciana.
- É como te disse – explicou Sandinho.
- ‘tás doido – Luciana troçou dos sonhos do seu amigo. Fez uma concha da sua mão direita e apalpou o pêlo humedecido do cão. Em casa o pai berrou. Estava zangado.
- Esta gente é burra – Luciana e Sandinho escutaram isto. Sandinho perguntou:
- O teu pai fala sozinho?
- Não – disse Luciana.
Sandinho estava curioso de saber. Luciana adivinhou-lhe o desejo, semicerrou os olhos, pegou-lhe na mão e disse:
- É por causa do correio. O meu pai recebeu uma encomenda de discos sem os ter pedido. E também recebeu uma carta a explicar para que eram os discos.
- Discos? – Sandinho engasgou-se – o que são discos?
- Nunca ouviste falar em discos?
- Não – disse Sandinho.
Luciana explicou-lhe então o que eram discos. Sandinho nunca tinha visto um disco e Luciana foi buscar um e mostrou-lho. Explicou como funcionavam. Tinha de ser num aparelho próprio, chamado gira-discos. Sandinho estava admirado. Aí estava outra coisa que ele também não sabia. E disse:
- Isso é que é progresso!
A voz do pai de Luciana ouviu-se outra vez.
- Discos! Para que quero eu discos sem ter gira-discos... e ainda por cima, mandam-nos com uma carta de palavrinhas tão doces, tão doces, que levam logo uma pessoa à evidênia de dizer que sim.
- O meu pai diz que os vai meter no correio, outra vez – Luciana continuou a explicar – ele está zangado porque não quer aqui essas porcarias...
Luciana e Sandinho pegaram nos cântaros e foram à fonte. Ele tornou a falar-lhe novamente dos seus sonhos com o progresso.
- Eu não acredito nos teus sonhos – disse ela enquanto caminhavam pelo carreiro enlameado. Ti João viu-os e saudou-os.
- Boas tardes, gentinha.
- Boa tarde, Ti João.
Luciana e Sandinho ficaram a ver a água tombar nos cântaros e molharam os dedos, enquanto ela escorria. Riram. O cão abeirou-se de um fiozinho que corria, por entre as pedras frias e musgosas e bebeu. Sandinho disse que ela tinha de acreditar no progresso.
- Acredito nada.
- Tens de crer. Um dia, botaremos avenidas e casas enormes neste lugar... é quando eu for homem. E a gente irá gostar. Havemos de ter lojas para tudo. Doces, brinquedos e não viremos mais buscar água aqui à fonte. Há-de haver água em todas as casas. E há-de haver um jardim em volta desta fonte.
- Quem disse isso?
- Foi o meu avô. Ele é um homem que acredita no progresso.
Sandinho falou com convicção. Trepou a uma macieira.
- Luciana, olha que maçã tão grande!
- É do tamanho do mundo – disse Luciana.
Outro cântaro se encheu. A chuva tombava, desta vez, mais devagarinho e não lhes zurzia tanto as mãos. Mas formara-se um cacimbo muito denso que espevitou as narinas de Sandinho. Como um perdigueiro. Ficaram muito frias. As mãos dele também estavam geladas. Mas tinho coração aos pulos. Quentinho de todo.
- Chuva má – disse.
Luciana olhou para ele e quis saber:
- Tu não gostas da chuva, pois não?
- Não – disse Sandinho.
- A chuva é bonita – disse ela para o contrariar.
- A chuva não nos deixa brincar na rua – disse Sandinho.
- E tu gostas de brincar? – Perguntou Luciana.
- Eu gosto de brincar – disse Sandinho.
- E gostas de brincar comigo?
- Eu só brinco contigo – Sandinho corou.
- E gostas de mim?
Não era isso que Luciana queria perguntar. Sandinho tardou a responder. Manteve-se em cima da macieira, o frio a entrar-lhe pelos olhos e sentiu umas coisas estranhas dentro de si. Coisas que nunca houvera sentido.
- Diz lá – Luciana suplicou.
Mas Sandinho não foi capaz de dizer. E Luciana acabava de descobrir que tinha confundido o seu amigo e isso encheu-a de orgulho. Pelka primeira vez, pensava que podia dominar um rapazinho da sua idade. Então, repetiu uma frase que tinha ouvido da boca de uma rapariga crescida e que namorava um soldado.
- Os rapazes são uns fracos.
Mas ela disse isso sem saber porquê. Sandinho saltou da macieira, agarrou-a pela blusa, juntou-a ao seu peito e disse:
- Não gosto de ti porque não acreditas nos meus sonhos.
Ambos pousaram os cântaros junto do fogão de lenha. O pai de Luciana olhou para os dois miúdos e gostou deles. Sandinho saiu para o terreiro e a samarra esfriou-lhe levemente as costas, porque estava ensopada. Passou de novo junto do cemitério, espreitou e desatou a correr até casa. Alguém lhe havia dito que, ao anoitecer, se viam as almas penando sobre as campas. Sandinho viu coisa nenhuma. O cão foi com ele.
Estava contente e não estava pelo que tinha dito a Luciana. Lembrou-se de uma coisa que o avô lhe dissera: “As raparigas enfraquecem as pernas dos rapazes”. E Sandinho pensou que aquilo poderia ter sido o primeiro sinal para tentarem enfraquecer as suas. Por isso correu daquele jeito até casa, a fim de se certificar se elas já estavam fracas.
A mãe disse para ele fechar a porta, que se fazia noite. Sandinho fechou. O cão latiu à entrada e ele deixou-o entrar. Mas a mãe ordenou que ele pusesse o cão na rua.
Como de costume, jantou cedo. Durante o jantar pensou no progresso. Haveria de fazer coisas maravilhosas quando tivesse o progresso nas mãos. Haveria de mudar muita coisa com o progresso. O pai estranhou-lhe o silêncio. Não quis, porém, perguntar nada ao filho. Foi o filho quem perguntou:
- Pai, o que é progresso?
O pai esfregou os calos das mãos uns nos outros, deu uns estalidos nas articulações dos dedos, pôs os cotovelos em cima da mesa e baixaindo a cabeça, como se quisesse puxar qualquer coisa, disse:
- O progresso é quando o dinheiro já não pode comprar a força de um homem.
Parou. Depois disse:
- Deixa-te de coisas esquisitas e vai-te deitar porque amanhã tens de vir comigo apanhar um resto de batatas.
Sandinho ainda se manteve acordado durante muito tempo, a pensar no que lhe dissera o pai. Desejou fortemente tê-lo junto de si, porque podia ensinar-lhe muitas coisas.
E quando adormeceu, em vez de sonhar com cidades, aviões, comboio eléctricos, máquinas gigantescas e arranha-céus, Sandinho sonhou com Luciana.


Francisco Duarte Azevedo