sexta-feira, 30 de abril de 2010

NATUREZA MORTA

Que memórias nos trazem os objetos?

quarta-feira, 28 de abril de 2010

JOÃO S. MARTINS

Ofereceu-me um livro de poemas em 11 de Novembro de 2006. Vive nos Estados Unidos, prefiro dizer, vive na América e nem é preciso estar aqui com esclarecimentos cartográficos, porque a América do Norte ou é Estados Unidos ou Canadá e América tem o significado apenas ou a simbologia de Estados Unidos (da América). Dizia, o João S. Martins vive na América e a sua sensibilidade humanista já o levou a co-editar, com um grupo de carolas que organizam tudo a troco de nada, várias Festas da Língua Portuguesa, em Newark, New Jersey, às barbas de Nova Iorque e todos os anos melhora as respectivas edições, como o vinho do porto que, ao envelhecer melhora cada vez mais. Um livro de poesia intitulado CÂNTICOS PARALELOS, datado de 2004 e que aproveito para reproduzir um dos seus poemas, Saudades de Inverno, que gosto muito, independentemente de outros que também gosto, mas este com uma doçura especial. Sigam-me, por favor:

Que importa o sol
ou o conto das estrelas, nos dias
em que a luz não passa nas janelas;
há um rumor, um bate-bate
entorpecido e sonolento
em busca de uma melodia
que não sai e entra
em devaneios de saudades
do calor de um colo.
E de regresso em regresso
se faz a viagem...


João S. Martins

O livro tem prefácio de José Luis Peixoto

quarta-feira, 14 de abril de 2010

RELEITURAS

Há um livro que me diverte imenso e gosto de o recomendar a todos os meus amigos. CRÓNICAS CARIBES, de Miguel A. Barroso e Ígor Reyes-Ortiz. Os autores ajudam-nos a descobrir um Caribe alheio ao turismo e aos condomínios hoteleiros onde tudo parece irreal e paradisíaco, trazendo-nos uma realidade por vezes cruel outras vezes mágica de um mundo que fervilha para lá das palmeiras e coqueiros, dos mares azuis e dos céus absolutamente luminosos. Por essas ilhas do Caribe abundam os navios de cruzeiro e os turistas distraídos por melodias e ritmos sedutores cuja origem reflecte grandezas e misérias de comunidades, muitas delas antigas comunidades de escravos, ainda em busca da sua própria sobrevivência.
Os autores foram capazes de recriar os anos cinquenta de Havana à mistura de sons de jazz, Sinatra, Lucky Luciano, Lanksky, Frank Costello e o Floridita,de Hemingway tomando seus daiquirís sem açucar e com uma dose dupla de rum. Trazem-nos as vozes curaçulenhas do papiamento,cruzado de português, espanhol e holandês e relatam-nos a viagem ao coração das trevas haitiano. (Excelente ocasião para se reler também O Reino deste Mundo, de Alejo Carpentier e Os Comediantes, de Graham Greene e depois reflectir sobre a recente tragédia natural, no Haiti, e avaliar a gigantesca onda de dor, pavor e destruição que aquele país tem sofrido, praticamente, desde os alvores da sua independência. Se não tem sido pela mão homem que mata o seu semelhante e o despoja com o recurso e a prestação fria de uma máquina repressora, é a natureza a castigar aquele povo que desesperadamente busca um caminho até à dignidade).
Barroso e Reyes traçam-nos igualmente um quadro da loucura trujillana de Santo Domingo, a par da estórias do famoso fornicador dominicano, Porfirio Rubirosa e do paraíso fiscal das Ilhas Caimán. Não escapam nem Trinidad & Tobago,Domínica, Granada e outras mais.
Não escrevo mais nada para não influenciar a leitura e o interesse pelo livro. A edição espanhola que usei é de 2001, Punto de Lectura, do Grupo Santillana.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

OS ÍCONES

Paulo Quintela, foi um mestre tão grande como a sua sabedoria. Tive o privilégio de o poder escutar e sentar-me, por vezes, a seu lado, no bar da Faculdade de Letras, em Coimbra e aprender, aprender tudo quanto era possível aprender com um mestre em escassos minutos. E em 1979, li uma antologia dos POEMAS de J. W. Goethe, traduzida pelo insígne mestre e publicada Por Ordem da Universidade (de Coimbra), trinta anos antes. Paulo Quintela era dotado de uma rara sensibilidade poética e a tradução que fez dos poemas, por ele seleccionados, em edição bilingue, arrasa-nos pela precisão e pelo profundo respeito ao texto alemão.

Isto é pedir muito aos editores, porque não há verbas que suportem tais custos, mas as obras estrangeiras, já não digo qualquer obra, ao menos aquelas que têm sido marcos da literatura mundial, deveriam ser publicadas em edições bilingues como prova fidedigna pela letra e pelo espírito do autor. Não importa. Existem tradutores que valem pela sua grandiosidade. E Paulo Quintela era certamente um deles.

Ora, na página 145 daquela edição de 1949, no Capítulo VI, dedicado aos Epigramas de Veneza, de 1790, específicamente no Suplemento aos Epigramas, pode ler-se o seguinte:

"«Fora Judeus e Pagãos!» - clama a paciência cristã.
«Maldito o Cristão e o Pagão !» murmura um barbudo Judeu.
«Os Cristãos ao espeto e os Judeus ao fogo!»
- Canta um Turquinho troçando Cristãos e Judeus.
Qual é o mais 'sperto?- Decide! Mas se loucos destes
Há no teu palácio, Divindade, eu passo de largo."


Anos depois, em 1997 / 1998, encontrava-me em Sófia, na Bulgária e, nos três meses em que lá estive, escrevinhei uma vintena de poemas, dezassete dos quais foram publicados pela editora Karina M. Todorova sob o patrocínio e apoio da Associação de Luso-Falantes na Bulgária, escolhidos e organizados por Zdravka Zaidenova, tradutora para búlgaro, de José Saramago.

Esse conjunto de poemas teve como resultado um pequeno volume de cerca de 80 páginas, cujo título ressalta do poema Os Ícones, que aqui reproduzo e trazem agora à colação o Suplemento nº 13 dos Epigramas, acima transcrito.

Os Ícones

A minha prece eleva-se
por entre fumos de incenso
até Deus todo poderoso

Ofusca-me o seu olhar
lá do alto da abóboda
e o colorido infinito
de todo o seu resplendor.

Um rendilhado
de formas e poesia
anunciam os versículos
do Livro da Sabedoria,
essa visão que Deus
tem do seu próprio mundo,
devoluto aos homens
para que o governem
à sua imagem e semelhança.

Liberte-se Deus
do tanto poder que tem
para o dar a nós,
inconciliáveis filhos de Abraão
escartejando seus ossos
em sinagogas
igrejas
e mesquitas
na eterna esperança
de que a todos
dê razão.

Ah, mas como é penetrante
o seu olhar!
Como é mesquinho
o meu pasmar!