Paulo Quintela, foi um mestre tão grande como a sua sabedoria. Tive o privilégio de o poder escutar e sentar-me, por vezes, a seu lado, no bar da Faculdade de Letras, em Coimbra e aprender, aprender tudo quanto era possível aprender com um mestre em escassos minutos. E em 1979, li uma antologia dos POEMAS de J. W. Goethe, traduzida pelo insígne mestre e publicada Por Ordem da Universidade (de Coimbra), trinta anos antes. Paulo Quintela era dotado de uma rara sensibilidade poética e a tradução que fez dos poemas, por ele seleccionados, em edição bilingue, arrasa-nos pela precisão e pelo profundo respeito ao texto alemão.
Isto é pedir muito aos editores, porque não há verbas que suportem tais custos, mas as obras estrangeiras, já não digo qualquer obra, ao menos aquelas que têm sido marcos da literatura mundial, deveriam ser publicadas em edições bilingues como prova fidedigna pela letra e pelo espírito do autor. Não importa. Existem tradutores que valem pela sua grandiosidade. E Paulo Quintela era certamente um deles.
Ora, na página 145 daquela edição de 1949, no Capítulo VI, dedicado aos Epigramas de Veneza, de 1790, específicamente no Suplemento aos Epigramas, pode ler-se o seguinte:
"«Fora Judeus e Pagãos!» - clama a paciência cristã.
«Maldito o Cristão e o Pagão !» murmura um barbudo Judeu.
«Os Cristãos ao espeto e os Judeus ao fogo!»
- Canta um Turquinho troçando Cristãos e Judeus.
Qual é o mais 'sperto?- Decide! Mas se loucos destes
Há no teu palácio, Divindade, eu passo de largo."
Anos depois, em 1997 / 1998, encontrava-me em Sófia, na Bulgária e, nos três meses em que lá estive, escrevinhei uma vintena de poemas, dezassete dos quais foram publicados pela editora Karina M. Todorova sob o patrocínio e apoio da Associação de Luso-Falantes na Bulgária, escolhidos e organizados por Zdravka Zaidenova, tradutora para búlgaro, de José Saramago.
Esse conjunto de poemas teve como resultado um pequeno volume de cerca de 80 páginas, cujo título ressalta do poema Os Ícones, que aqui reproduzo e trazem agora à colação o Suplemento nº 13 dos Epigramas, acima transcrito.
Os Ícones
A minha prece eleva-se
por entre fumos de incenso
até Deus todo poderoso
Ofusca-me o seu olhar
lá do alto da abóboda
e o colorido infinito
de todo o seu resplendor.
Um rendilhado
de formas e poesia
anunciam os versículos
do Livro da Sabedoria,
essa visão que Deus
tem do seu próprio mundo,
devoluto aos homens
para que o governem
à sua imagem e semelhança.
Liberte-se Deus
do tanto poder que tem
para o dar a nós,
inconciliáveis filhos de Abraão
escartejando seus ossos
em sinagogas
igrejas
e mesquitas
na eterna esperança
de que a todos
dê razão.
Ah, mas como é penetrante
o seu olhar!
Como é mesquinho
o meu pasmar!
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