sábado, 30 de outubro de 2010
quinta-feira, 28 de outubro de 2010
E A VIDA CONTINUA - MEMORIAL PELA MINHA MÃE
Quase quatro meses após a morte de meu pai, a minha mãe partiu definitivamente aumentando ainda mais o sentimento de perda que eu acabara de "experienciar". Bem sei que muitos dos meus amigos e parentes já passaram por isso. Bem sei que muitas vezes apresentei os meus pêsames a esses meus amigos e parentes. Mas ainda não tinha passado tão dolorosamente por semelhante situação. E o vazio que agora sinto é o de uma pura orfandade. Quase admito que a minha mãe talvez tenha desejado partir mais cedo perante a ausência fatal de meu pai e assim se tenha esquivado aos tratamentos médicos e às doses de oxigénio que deveria receber diariamente nos seus pulmões enfraquecidos e que poderiam ter ajudado a manter as batidas de um coração frágil e doce. A única coisa que ela desejou foi exactamente o que qualquer outra mãe desejaria: o bem dos seus filhos.
A minha mãe faleceu no dia 26 de Outubro, cerca das oito horas da manhã e o funeral realizou-se hoje, 28, pelas dez horas, em Castelo Branco. Que em paz descanse.
Uma vez mais, agradeço a todos os que abriram seus braços para me acolherem com o conforto que qualquer ser humano necessita neste momento trágico e doloroso. Bem hajam!
segunda-feira, 25 de outubro de 2010
UMA OUTRA HOMENAGEM ÀS VÍTIMAS DOS ATENTADOS DE 11.09.2001
O quadro acima pintei-o num momento de reflexão, em Summit, NJ e depois de ter contemplado o pequeno bloco de granito no parque de estacionamento da estação dos caminhos de ferro da cidade recordando aqueles que, na manhã de 11 de Setembro aí deixaram as suas viaturas e nunca mais voltaram para regressar a casa. O quadro pertence agora ao Ricardo Cortes e à Anita Aquino, e sinto-me feliz por saber que está em boas mãos.
domingo, 24 de outubro de 2010
terça-feira, 19 de outubro de 2010
HUDSON RIVER
O Nuno deliciou-se com este quadro e disse-me que era a vista que ele tinha do seu apartamento sobre o rio Hudson e Nova Iorque. Parece que lhe tiraram esta perspectiva, porque construíram mais uma torre interposta entre a margem direita do rio e o bloco onde ele vive. Resta-lhe assim o quadro que ele pode ver todos os dias, com uma barcaça deslizando silenciosa, rio abaixo.
sábado, 16 de outubro de 2010
DOIS AMIGOS E DOIS MESTRES
sexta-feira, 15 de outubro de 2010
Eduardo Mendoza - Prémio Planeta
Pelo seu interesse e síntese, reproduzo aqui a notícia difundida pela Agência Portuguesa de notícias, LUSA e deve ser lida por todos nós:
"O escritor catalão Eduardo Mendoza é o vencedor do Premio Planeta 2010, atribuído pelo grupo editorial espanhol Planeta ao romance sobre a Guerra Civil de Espanha «Riña de gatos», que escreveu sob o pseudónimo de Ricardo Medina.
Criado pelo presidente do grupo, José Manuel Lara Hernández, e entregue desde 1952 a um romance inédito escrito em espanhol, o galardão, no valor de 601 000 euros, é o segundo maior do mundo, a seguir ao Nobel, dotado de um milhão de euros.
A decisão do júri, composto por Ángeles Caso (vencedora do ano passado e que substitui Álvaro Pombo), Alberto Blecua, Juan Eslava Galán, Pere Gimferrer, Carmen Posadas, Rosa Regas e Carlos Pujol, foi anunciada hoje à noite durante um jantar literário realizado no Palau de Congressos de Catalunya".
Mário Vargas Llosa
quinta-feira, 14 de outubro de 2010
quarta-feira, 13 de outubro de 2010
segunda-feira, 11 de outubro de 2010
VINICIUS
domingo, 10 de outubro de 2010
O SILÊNCIO E O TEMPO, de Vítor Matos e Sá
Aurora
Que sol amadurece, lento,
a sombra doce dos teus seios?
Que branco vento transborda,
deslumbrado de acordar,
nessa área paz de frutos
redondos e naturais?
Em nenhum lugar as fontes são
mais sagradas e reais.
sábado, 9 de outubro de 2010
PARQUE PETER FRANCISCO, NEWARK, NJ
Situado na junção da Ferry Street com a Edison Street, a Market Street e a Penn Station , em Newark, NJ, o pequeno Parque triangular acolhe, sob as árvores, um pequeno obelisco em memória de Peter Francisco (herói luso-americano, da Guerra de Independência da América, e cuja bravura foi publicamente exaltada por George Washington. Sugiro uma pesquisa na net começando nomeadamente pela página da wikipedia (www.en.wikipedia.org/wiki/Peter-Francisco)
sexta-feira, 8 de outubro de 2010
quinta-feira, 7 de outubro de 2010
Uma barca cruzando um pontão
domingo, 3 de outubro de 2010
ESCADAS DE QUEBRA-COSTAS
(Este conto foi publicado na Revista O Instituto – Revista Científica e Literária, nº 139 – Coimbra, 1979. Escrito em Janeiro de 1980, foi publicado com data anterior por motivos de ordem e cronologia editoriais daquela revista, que aliás já não existe. Fundada em 1880, foi a revista científica e literária mais antiga do país. )
Escadas de quebra-costas
Mia um gato diante dos meus olhos e arrima-se para debaixo de um carro. Sou eu que me aproximo. Guarda-se de mim e espia as minhas pernas. Começo a subir as escadas de Quebra-Costas e conto as vezes que as subo durante o dia.
No patamar da casa velha, com janelas de vidro, ao meu lado esquerdo, ei-lo, esse cão nababo a arreganhar-me as dentolas e a rosnar com todo o seu peso. Não é por nada. Mas lembra-me um porco de criação. Ajeito-me e penso:
- Cão estúpido.
Na casa dos móveis, do lado direito, montra nova metalizada, espera uma garota os seus clientes. Passa o tempo agarrada às unhas, roendo-as. (Digo-vos que não gostava de ser unha). Espreita-me. Finjo que não a vejo, mas tenho uma frincha do canto do meu olho direito aberta na direcção da criatura. É mamuda e baixa. Ama um homem atravancado, sisudo e suicida como ela. (Os suicidas gostam dos suicidas). Há seis anos que eu sei deles. Primeiro, assisti-lhes ao namoro. Agora contemplo-os no beijo rotineiro e garanto-vos que é uma pasmaceira. Aquilo é beijo de cadáveres. Ela ainda tem um sorriso claro. De vez em quando. O meu amigo alfaiate diz que é um riso uterino, sem macho.Por falar dele, ei-lo à janela atirando-me:
- Então o basquetebol?
- Pingolinhas – defendo-me.
- Moinices – dou-lhe razão.
A mulher dele ajuda também. Hoje deve ter-se esquecido da dentadura e parece que está a aprender a falar:
- Olhe que ele é um malandro – saem as palavras todas embrulhadas.
Passa uma miúda. Afunda as nádegas e trá-las de novo à tona. É um barco no alto mar.
- Psssssss... – o garoto mete-se com ela. Levanta a pasta do chão e ginga do mesmo jeito.
- Eu preciso tanto – roga o companheiro.
- Vou dizer à tua mãe – ataca o outro.
- Ora, é da TV – ombreia assim o colega. E deixa-se afrouxar na pedalada da subida. Apanha um papel do chão e mete-o no bolso. Na torre dos lentes, a “cabra” cacareja.
- Olha a escola – grita um dos garotos. E catrafilam-se em marcha acelerada. Curvam os dizeres. Mas eis que escuto um burburinho estranho. Volto-me e, no fundo da subida, à curva do Arco de Almedina, uma sarabanda de mulheres ensaia um arraial de galhetas. Uma senhora fina abanica-se em frente da boleira e esta diz-lhe assim:
- Sua cricalha.
Só visto. Espetam-se, empurram-se, retrancam-se, goelam-se e puxam os cabelos uma da outra. Bem vistas as coisas é uma teia de aranha que entre neles se desenha. Do cimo de Sobre-Ripas assobio e miro a cena. Mestre alfaiate diz-me:
- Olha a pouca vergonha que ali vai – e franzina o nariz.
A senhora da livraria, debaixo dos óculos de lentes grossas, chega-se também. Não fala e é difícil saber se ri ou se está séria.
- Liberdades – grunhe a velha rabuja dos galos na cabeça. É feia, velha e chata. E na vida não aprendeu mais nada a não ser o comentário do costume: “Liberdades”. Di-lo como se fosse presidente do município.
A amiga reformada das bolachas, benfeitora de cães e de gatos, não podia faltar. Desce as escadas e quase resvala na esquina de uma, tal a atenção prestada à pega das galdérias.
- Se alguma vez se viu coisa assim – e desafasta-se.
Depois reza uns maldizeres às escadas ( e elas é que se hão-de importar com isso ) e apressa-se a ir ao mercado para comprar carapaus para os seus gatos. Tresanda a gato.
Vem também a velhinha da porta em frente do convento da sé. É simpática e frenética. Bule os dedos das mãos, o queixo, os olhos, o pescoço. Todo o seu corpo é um delírio de nervoso miudinho. Mas todos nós gostamos dela.
Outra coisa aparece: o cauteleiro que há-de ter morte macaca. Traz água na fervura. Mói com pau de vassoura a miséria da mulher e dana-se que nem cão. ‘tá aí, ‘tá virado mortinho da conceição, por engasgo do coração. E saltita a roncar:
- As gajas amanhem-se.
A da cabeleireira, abre a janela e grita:
- Oh Felismina !
A outra, “amanda-se” das bandas do fotógrafo e esganiça:
- Lá vou.
O polícia, coitado, afana-se para as sossegar. Sua. Por um momento hesita. Mas acaba por se decidir a multar um carro mal estacionado e deixa que as duas mulheres se entendam. Cumprimenta um dêérre qualquer e o dêérre fica inchado por ser reconhecido.
Entretanto, o da casa das canetas lastima-se:
- Havia de ser logo nas minhas barbas.
Eu (que faço eu?) traço o meu o caminho. Subo mais cinco lances pequenos e nodosos. Penso numas trouxinhas de carne. Como elas me ensalivam a boca, meu deus! A mulher de mestre alfaiate sorri, mas não mostra as gengivas. A mulher de mestre alfaiate é uma senhora simpática. E eu digo:
- Bom. Vou andando...
- Isso. Com deus é que é o caminho.
As desentendidas afrouxam o burburinho. Tenho vontade de dizer outra coisa, mas não digo. O electricista descobre-me e trava o passo:
- Pescador da agrela !
- Felino – digo eu.
- A vida ? – pergunta e coça o cabelo.
- Tristinha.
- Some-te.
É o que eu quero fazer. Aos poucos, difundo-me. Torno-me transparente. Mas se me perguntais o que vi, direi que nada vi. Nem beliscadura nem arranhão de gente. Não sou testemunha de nada. À minha frente, o velho das duas bengalas lesma-se ao descer as escadas e larga umas bufas:
- Velho porco – penso eu.
Está um miúdo ao cimo delas a contar caricas. Ouço-o muito bem: dezanove, vinte, vinte e um, vinte e dois, vinte e três e... pára.
- Larga – e puxa com violência – essa é minha.
O amigo conta alternadamente. Se fosse eu, já me tinha enganado. E continua:
- ... vinte e quatro, vinte e cinco, vinte e seis... esconde cromos no cós roto das calças. Tem as mãos sarapintadas de sujo, aborca-se no chão e não vê a nuvem negra do lado do poente. Somos capazes de ter chuva, não tarda muito. No entanto, o resto do céu é azul e as escadas estão prenhes das marcas das solas dos nossos sapatos e das nossas botas e das cagadas dos cães e das pinturas políticas. No fundo das paredes, a ladearem as escadas, verte-se um fedor a mijo e baba de cão que faz cama nas calçadas.
Mas quem é que eu vejo agora? O doido do Cardoso, claro. Está pregando a sua ladainha e larga uns berros medonhos. Parece-me zangado e passeia-se com um petromax nas mãos. Procura uma coisa num canto qualquer. Dele, mofam duas moças. O empregado o café da esquina mofa também. E uma dona saindo da farmácia lamuria um batente de letras e preceitos. Mas o Cardoso marimba-se. Faz trampa para todos eles. Eu vi isso. E diverte-se com uma charada assim:
Pelo sim e pelas tretas
O melhor é pingoletas
Isto não faz sentido. Ele fede vinho pelos calos dos dedos dos pés. E está feliz. É preciso que as coisas façam sentido para que se seja feliz? Ora, aí está o que vos preocupa: a felicidade. Aquele doido é feliz. O basalto e o cimento das escadas não o preocupam. A Marisa não o preocupa. Nem o João. Tu também não. Eu não o preocupo. E, no entanto, o o cimento e o basalto das escadas têm sido gastos por quase todos nós. As suas esquinas estão polidas pelo arrasto da nossa importância. Bem sabes, a Marisa é muito importante. Tal como o João. Tu também és importante. Eu sou importante. Mas para ele, a nossa importância é chalaça.
Do lado do salão de jogo que eu já não atino daqui, a garotada diverte-se em cima de uma bugiganga e o safardana do cauteleiro aguça de novo a boca para desovar meia dúzia de palavras beras. É nero e rançoso. Quando o vejo guardar a motorizada no atriozinho atulhado de gatos e de cães que dá para a casa da senhora amiga dos animais, reparo que ele poisa a máquina, devagar e lambe-a como bicho logo desatando naquela brutidade de pancadaria e asneiras sobre a mulher. O tipo é fúfio. E ainda por cima, berra que a filha da mulher passa a vida no ranfanço e é rameira. Todos o sabem.
Eu chego, finalmente, ao cimo das escadas. O sacristão da sé olha-me, nequício e invejoso. Eu não o conheço. Nem frequento as suas paragens. Nem pertenço aos seus aposentos sagrados. O cónego está de saída e dizem que usa cilícios por baixo da batina para se mortificar. Olha-se para ele e diz-se logo:
- Bem se vê que é lavrador da morte.
Consta que fala dela em cada sermão. Deve ser uma coisa aborrecida e tétrica. Mestre alfaiate, do fundo das escadas, ainda me acena:
- Vai um copo?
- Nicles – digo eu.
E apresso-me todo importante.
Coimbra, 1979